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10/11/22

BICENTENÁRIO DA BÊNÇÃO DA BANDEIRA NACIONAL

Em 10 de novembro de 1822 finalmente se tinham bandeiras em número bastante para que começassem a assinalar a nova soberania nacional.

Há duzentos anos, os símbolos que Dom Pedro I criou pelo Decreto de 18 de setembro de 1822 começaram a exercer a função de identificar o novo estado-nação: a 10 de novembro, os primeiros exemplares da bandeira nacional foram benzidos, saudados e hasteados; no dia 12, a Secretaria de Estado remeteu o dito decreto aos diplomatas estrangeiros acreditados no país; no dia 13, as embarcações estrangeiras fundeadas no porto do Rio de Janeiro içaram e saudaram a bandeira do Brasil; no dia 14, a Gazeta do Rio, que servia de jornal oficial, incorporou as armas nacionais ao seu cabeçalho.

A bênção da bandeira era um costume militar português, atestado já por Isidoro de Almeida no seu Quarto livro das instruções militares (1573, capítulo 12): "E tanto que [o capitão] tiver a companhia formada de seus oficiais e soldados, deve fazer benzer a bandeira em ũa igreja e da sua mão publicamente dá-la ao alferes". Como eu disse na postagem de 12/10, o liberalismo moderado transigia com certas práticas sociais do Antigo Regime, especialmente em matéria religiosa. Os próprios revolucionários de 1817 em Pernambuco benzeram a sua bandeira republicana.

Para a bênção da bandeira nacional escolheu-se a festa do Patrocínio de Nossa Senhora, que fora introduzida em Portugal em 1756 pelo rei Dom José, em ação de graças por terem ele e sua família sobrevivido ao Terremoto de Lisboa. Reforçava-se, portanto, a ideia de que a separação do Brasil estava salvaguardando a Casa de Bragança, cujo chefe se achava refém das Cortes, segundo se acusava. Com efeito, o n.º 138 da Gazeta do Rio começa o relato do evento evocando a provisão de Dom João IV pela qual tomou Nossa Senhora da Conceição por padroeira do Reino, dando a entender que a escolha dessa festa para um ato tão significativo de soberania ratificava tal padroado sobre o Brasil independente.

Bandeira nacional do Brasil durante o primeiro império.
Bandeira nacional do Brasil durante o primeiro império.

A cerimônia foi presidida por Dom José Caetano da Silva Coutinho, bispo do Rio de Janeiro e capelão-mor, e ocorreu na Igreja da Sé e Capela Imperial (hoje Antiga Sé). Do relato depreende-se que ele recebia cada bandeira enrolada na haste, a benzia e entregava a Dom Pedro I, que a passava a João Vieira de Carvalho, ministro da Guerra e depois marquês de Lajes. Este as distribuiu aos comandantes das tropas formadas no Largo do Paço (hoje Praça XV de Novembro), às quais o imperador endereçou este discurso:

FALA DE 10 DE NOVEMBRO DE 1822
Faz entrega das bandeiras nacionais às forças da Guarnição da Corte.
Soldados de todo o Exército do Império,
É hoje um dos grandes dias que o Brasil tem tido. É hoje o dia em que o vosso Imperador, vosso Defensor Perpétuo e Generalíssimo deste Império vos vem mimosear, entregando-vos em vossas mãos aquelas bandeiras que em breve vão tremular entre nós, caracterizando a nossa independência monárquico-constitucional, que, apesar de todos os reveses, será sempre triunfante.
Logo que os exércitos perdem os estímulos de honra e a obediência que devem ter ao Poder Executivo, a ordem e a paz de repente é substituída pela anarquia; mas quando eles são, como este que tenho a glória de comandar em chefe, cuja divisa é valor, respeito e obediência aos seus superiores, os cidadãos pacíficos contam com a sua segurança individual e de propriedade e os perversos retiram-se da sociedade, sucumbem ou convertem-se.
Quanto a pátria precisa ser defendida e o exército tem por divisa Independência ou morte, a pátria descansa tranquila e os inimigos assustam-se, são vencidos e a glória da nação redobra o brilho.
Soldados, não vos recomendo valor, porque vós o tendes, mas sim vos asseguro que podeis contar sempre com o vosso Generalíssimo nas ocasiões mais arriscadas, em que ele, sem amor à vida e só à pátria, vos conduzirá ao campo da honra, onde ou todos morreremos ou a causa há de ser vingada.
Soldados, qual será o nosso prazer e os das nossas famílias quando ao seio delas voltarmos cobertos de louros, nos vermos rodeados da cara esposa e de nossos filhos e lhes dissermos: "Aqui me tendes; quem defende o Brasil não morre; os nossos direitos são sagrados e, por isso, o Deus dos exércitos sempre nos há de facilitar as vitórias".
Com estas bandeiras em frente do campo da honra destruiremos os nossos inimigos e no maior calor dos combates gritaremos constantemente: "Viva a independência constitucional do Brasil! Viva! Viva!".
IMPERADOR

Findo o discurso, desenrolaram-se as bandeiras. Ao mesmo tempo nas fortalezas e nos navios da marinha de guerra, arriaram-se as bandeiras do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e hastearam-se as do Império do Brasil sob salvas de artilharia. Assim como as armas esculpidas na cruz chantada por Pedro Álvares Cabral marcaram o começo do domínio português em 1500, a heráldica, agora reproduzida sobre pano, marcava o fim desse mesmo domínio e a posse do território pelo novo estado-nação em 1822.

Bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Três dias depois, a fragata francesa e a inglesa que se encontravam ancoradas no porto do Rio prestaram as suas homenagens ao pavilhão brasileiro, içando-o à proa e saudando-o com uma salva. Os seus comandantes tinham sido comunicados pelos respectivos agentes diplomáticos, a quem a Secretaria de Estado remetera um dia antes cópias do Decreto de 18 de setembro.

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