Séries de postagens

19/06/22

AS QUINTILHAS HERÁLDICAS DE SÁ DE MENESES (II)

Armas do mestre de Avis, do marquês de Vila Real, da Casa de Bragança, dos Noronhas e dos Coutinhos.

De João Rodríguez de Sá, decrarando alguns escudos d'armas dalgũas linhagens de Portugal que sabia donde vinham.

Armas do mestre de Avis: As armas do Reino, diferençadas por um filete de negro em barra, brocante sobre tudo.

O mestre

Um labéu através fende,
por ser sinal este tal
que por rezão natural
com rezão se lhe defende
o própio escudo real.
Ò senhor a quem são dados
um ducado e dous mestrados
com outra tanta rezão,
filho d'el-Rei Dom João,
por nom dizer mais estados.

Esse mestre era Jorge de Lancastre, filho bastardo de Dom João II, quem lhe entregara os mestrados das ordens de Avis e Santiago em 1491. Ainda por vontade desse rei, já em testamento, Dom Manuel I concedera-lhe o ducado de Coimbra em 1500. Sobre a quebra de bastardia, leiam-se as postagens de 21/01/2021 e 28/07/2021.

Armas do marquês de Vila Real: Esquartelado, no primeiro e quarto, as armas do Reino, diferençadas por um filete de negro em banda, brocante sobre tudo; o segundo e terceiro de vermelho com um castelo de ouro; mantelado de prata com dois leões batalhantes de púrpura, armados e lampassados de vermelho; bordadura composta de ouro e veiros (Noronha); sobre o todo, partido de dois traços e cortado de um: o primeiro de azul com um estoque de prata, empunhado de ouro (capitania de Ceuta); o segundo, quarto e sexto de ouro com quatro palas de vermelho (Lima); o terceiro e quinto de ouro com dois lobos passantes de púrpura, um sobre o outro (Vila Lobos); sobre o todo do todo, de ouro liso (Meneses).

Marquês

Quinas, Castela e Lião
e o dourado pavês,
escaques com estas três,
lobos, barras d'Aragão,
espada traz o marquês:
marquês de Vila Real,
de Castela e Portugal,
tresneto dos reis passados,
d'antecessores louvados
e ele, por sair tal.

Esse marquês era Pedro (III) de Meneses, capitão de Ceuta. O condado de Vila Real foi criado por Dom João I em favor de Pedro (I) de Meneses em 1424. Presumivelmente, foi o pai deste, João Afonso Telo de Meneses, primeiro conde de Viana (do Alentejo), que sobrepôs as armas paternas — o escudo de ouro liso dos Meneses — às armas de duas linhagens femininas da sua ascendência: Vila Lobos, de sua avó materna, e Lima (cujas armas o poeta confunde com as reais de Aragão), de uma de suas bisavós por parte de pai. Depois, o dito Pedro (I) de Meneses, por ser o capitão da recém-conquistada cidade de Ceuta, trocou o primeiro quartel por um campo de azul com um estoque de prata, empunhado de ouro. Contudo, como não tinha herdeiro varão, instituiu um morgadio para perpetuar o seu sobrenome na geração de sua filha, Brites, que casou com Fernando de Noronha, daí a sobreposição às armas dos Noronhas. O condado de Vila Real foi elevado a marquesado por Dom João II em favor de Dom Pedro (II) de Meneses em 1489.

Armas da Casa de Bragança (ramo do sobrenome Portugal): De prata com uma aspa de vermelho, carregada de cinco escudetes de Portugal antigo, alternados com quatro cruzes florenciadas de prata, vazias da aspa.

Casa de Bragança

Sobre aspa fazem mostrança
as quinas doutra feição:
cruzes co' elas estão.
Armas são dos de Bragança,
que vêm d'el-Rei Dom João.
Debaixo destas se entendem
três títolos que dependem
de sangue tão poderoso:
Mira, Tentúguel, Vimioso,
que todos juntos comprendem.

Essa casa tem origem em Dom Afonso, filho natural de Dom João I. O ducado de Bragança foi-lhe concedido em 1442 por seu meio-irmão, o infante Dom Pedro, regente durante a menoridade de Dom Afonso V. As suas armas eram uma quebra daquelas paternas à moda antiga: transformou-se a bordadura em aspa e sobre ela puseram-se os escudetes das quinas, mas a depender da reprodução, estes vieram variando com escudetes de Portugal antigo ou das armas reais diferençadas por um filete de negro em banda ou em barra.

Apesar de Dom Jaime de Bragança ter assumido armas novas em 1498, como o poeta canta na quinta estrofe e eu mostrei e comentei na postagem anterior, as armas antigas passaram a distinguir a linhagem do sobrenome Faro, que descende de Dom Afonso de Bragança, segundo conde de Odemira jure uxoris e primeiro conde de Faro (1469), terceiro filho de Dom Fernando de Bragança, o segundo duque. O quarto filho deste, Dom Álvaro, esquartelou as armas paternas com as dos Melos, por sua esposa, Filipa de Melo, com quem teve a Dom Rodrigo de Melo, primeiro conde de Tentúgal (1504).

Além disso, ainda que o primogênito homônimo de Dom Afonso I de Bragança tenha morrido antes de seu pai, gerou um filho natural: Afonso de Portugal, bispo de Évora. À sua vez, este deixou prole sacrílega, cujo primogênito, Francisco de Portugal, foi o primeiro conde de Vimioso (1515). Foi essa linhagem de sobrenome Portugal que diferençou as armas da casa alternando os escudetes com cruzes florenciadas e vazias, as quais tiraram das armas dos Pereiras, por Beatriz Pereira de Alvim, esposa do primeiro duque e filha do condestável Nuno Álvares Pereira.

Armas dos Noronhas: Esquartelado, no primeiro e quarto, as armas do Reino, diferençadas por um filete de negro em banda, brocante sobre tudo; o segundo e terceiro de vermelho com um castelo de ouro; mantelado de prata com dois leões batalhantes de púrpura, armados e lampassados de vermelho; bordadura composta de ouro e veiros.

Noronhas

Sem temor e sem vergonha,
onde quer que eles estém,
azuis e de prata têm
escaques os de Noronha,
d'ouro e veirados também.
Noronhas são da montanha
e nom doutra terra estranha,
donde a terra tomada
de mouros é recobrada
e tornada à fé Espanha.

Os Noronhas descendem de Afonso Henriques, filho natural de Henrique II de Castela, de quem herdou o condado de Noreña, nas Astúrias ("donde a terra tomada | de mouros é recobrada | e tornada à fé Espanha"), e as armas que trazia antes de cingir a coroa, pois o próprio Henrique II era filho bastardo de Afonso XI. Essas armas compõem-se de uma quebra do esquartelado de Castela e Leão, pela qual se transformou o segundo campo em mantelado, e do xadrezado de ouro e veiros, armas dos Álvares das Astúrias, antigos senhores de Noreña, transformado em bordadura composta.

O conde Afonso casou com Isabel de Portugal, filha natural de Dom Fernando I, daí a esquarteladura das armas sobreditas com as reais, diferençadas por um filete de negro em banda e que o poeta chame o marquês de Vila Real de "tresneto dos reis passados". 

Armas dos Coutinhos: De ouro com cinco estrelas de vermelho.

Coutinhos

As cinco estrelas sanguinhas
em campo d'ouro, pintado
do sangue antigo e honrado,
são nobres armas coutinhas,
feitas dum céu estrelado.
E sabe-se desta gente
que ganhou antigamente,
segundo a memória alcança,
a casa por sua lança,
que agora tem no presente.

Os Coutinhos descendem de Vicente Viegas, coetâneo de Dom Sancho I e filho de Egas Garcia da Fonseca, de quem herdou o senhorio do couto de Leomil, na Beira Alta, daí o nome: coutinho é o diminutivo de couto. Um couto, do latim cautum 'garantido', era um território onde os habitantes gozavam de certos privilégios judiciais e fiscais, o que servia de estratégia de povoamento aos reis. Por isso, Couto e Coutinho são topônimos frequentes em Portugal e na Galiza.

Em 1440, Dom Afonso V criou o condado de Marialva a favor de Vasco Fernandes Coutinho, filho de Gonçalo Vasques Coutinho, senhor do couto de Leomil e marechal de Portugal. Em 1516, a titular era Guiomar Coutinho, também condessa de Loulé. Além disso, um neto do primeiro conde de Marialva, também chamado Vasco Coutinho, recebeu de Dom Manuel I o título de conde de Redondo em 1500 e era o capitão de Arzila quando o jovem Sá de Meneses tomou parte da força que o socorreu contra um cerco em 1508.

Nenhum comentário:

Postar um comentário