Séries de postagens

09/05/24

TESOURO DE NOBREZA (V)

Armas de vários reinos.

Do Tesouro de nobreza (1675):

Fólio 3 – 4. Ob ferociam militum; 5. Triumphus non est sine sanguine; 6. Ob signum pacis; 7. Senatus Populusque Romanus; 8. Ob Imperii decus; 9. Ob animositatem Romanorum; 10. Regere Imperio populos, Romane, memento. Armas de vários reinos. 1. Os dous Estados da Igreja; 2. Frígia; 4. Cilícia; 5. Cítia; 6. Trácia.
Fólio 3 – 4. Ob ferociam militum; 5. Triumphus non est sine sanguine; 6. Ob signum pacis; 7. Senatus Populusque Romanus; 8. Ob Imperii decus; 9. Ob animositatem Romanorum; 10. Regere Imperio populos, Romane, memento. Armas de vários reinos. 1. Os dous Estados da Igreja; 2. Frígia; 4. Cilícia; 5. Cítia; 6. Trácia.

Fólio 4 – 7. Itália; 8. Pérsia; 9. Babilônia; 10. Ásia; 11. Amônia; 12. Cartago; 13. Corália; 14. Grécia; 15. Roma, Ob militiæ resplendorem; 16. Etiópia; 17. África Ocidental; 18. África Oriental.
Fólio 4 – 7. Itália; 8. Pérsia; 9. Babilônia; 10. Ásia; 11. Amônia; 12. Cartago; 13. Corália; 14. Grécia; 15. Roma, Ob militiæ resplendorem; 16. Etiópia; 17. África Ocidental; 18. África Oriental.

Fólio 5 – 19. Leão; 20. Granada; 21. Valença; 22. Malhorca; 23. Córdova; 24. Algarve; 25. Biscaia; 26. Barcelona; 27. Castela; 28. Toledo; 29. Navarra; 30. Galiza.
Fólio 5 – 19. Leão; 20. Granada; 21. Valença; 22. Malhorca; 23. Córdova; 24. Algarve; 25. Biscaia; 26. Barcelona; 27. Castela; 28. Toledo; 29. Navarra; 30. Galiza.

Fólio 6 – 31. Macedônia; 32. Godos; 33. Castela; 34. Barcelona e Catalunha; 35. Aragão; 36. Leão; 37. Galiza; 38. Portugal; 39. Andaluzia. Armas de alguns senhores potentados. 1. Duque de Borgonha; 2. Duque de Normandia; 3. Duque de Quênia.
Fólio 6 – 31. Macedônia; 32. Godos; 33. Castela; 34. Barcelona e Catalunha; 35. Aragão; 36. Leão; 37. Galiza; 38. Portugal; 39. Andaluzia. Armas de alguns senhores potentados. 1. Duque de Borgonha; 2. Duque de Normandia; 3. Duque de Quênia.

Comentário:

Tal como as armas das doze tribos de Israel, dos Nove da Fama e dos antigos romanos (leiam-se as postagens antecedente e de 05/05), Francisco Coelho tirou este capítulo dos estudos do padre Antônio Soares de Albergaria (Códice BNP 1118, fl. 13), cuja fonte é o Blasón general y nobleza del universo (1489), de Pedro de Gracia Dei, rei de armas dos Reis Católicos, onde se vê e se lê o seguinte:

Fólio entre o XIV e o XV do Blasón general y nobleza del universo (1489), de Pedro de Gracia Dei.

Después estava, segund en este árbol parece, una águila prieta de dos cabeças coronada en campo blanco, por los dos Estados de la Iglesia. A la mano derecha, los frigios tenían un puerco blanco en campo verde y azul. Y los de Celicia un yelmo de oro sobre negro. Y los icitas unos rayos sobre blanco. Y los traces un hombre armado en blanco sobre el color de Mars. Y los italianos un haz y segur dorados sobre morado. Y los persas arco y carcax de oro sobre sangre. Y los de Babilonia traían una torre blanca en campo verde. Y los de Asia un lobo prieto sobre blanco. Y arriba de aqueste árbol, en la siniestra, tenían los amonios un cordero sobre verde. Los cartagineses un buey colorado sobre oro. Los coralos dos ruedas de oro en verde y azul. Los de Grecia una raposa de oro en sangre, con letra Ob nutricis memoriam ('Memoria de vevir'). Y también Roma un cavallo blanco sobre morado y una letra que dezía: Ob militiæ resplendorem ('Por el resplendor de la cavallería'). Y los etíopes un hombre entre dos serpientes en una sepultura sobre negro, dezía la letra: Esta es la pena del que contra su rey se levanta. Y los africanos de ocidente un perro blanco sobre morado. Y los de Libia, en oriente, una serpiente de oro en verde. Y embaxo del águila, una espera de oro sobre verde, que Alixandre traía. Y los godos tres sapos de oro sobre negro. Y después, veniendo en España, Castilla traía un castillo de oro con puertas azules sobre colorado. Barcelona con su Cataloña cinco bastones de sangre sobre oro y Aragón cinco cabeças negras de moros en blanco. Y León tenía un león morado sobre blanco. Y Galizia la torre blanca del espejo que Hércules hizo sobre sangre. Y Andaluzía dos colunas blancas en azul. Y Portogal una ciudad blanca en campo azul sobre la mar, hecha de ondas verdes doradas.

Antônio Rodrigues, rei de armas Portugal sob Dom Manuel I e Dom João III, traduziu esse livro para o português (Manuscrito BPMP M-FA-80, editado sob o título de Tratado geral de nobreza por Afonso de Dornelas em 1931). Como a tradução é literal demais e contém muitos barbarismos, depurei os seus erros e anotei-os entre colchetes:

Depois estava, segundo nesta árvol parece, ũa águia preta de duas cabeças coroada em campo branco, por os dous Estados da Igreja. Em a mão destra, tinham os frígios um porco branco em campo verde e azul. Os de Celícia [1], um elmo de ouro sobre negro. Os citas, uns raios sobre branco. Os traces, um homem armado em branco sobre a color vermelha. Os italianos, ũa gavela e ũa bisarma dourados sobre morado. Os pérsios, um arco e ũa aljava de ouro sobre sangue. Os de Babilônia, ũa torre branca em campo verde. Os de Ásia, um lobo preto sobre branco. E acima daqueste árvol, à sestra, tinham os omônios um cordeiro sobre verde. E os cartagineses, um boi colorado sobre ouro. Os coralos, duas rodas de ouro em verde e azul. E os de Grécia, ũa raposa de ouro com sangue, com letra Ob nutricis memoriam [2], quer dizer 'Memória de viver'. E também Roma, um cavalo branco sobre morado e ũa letra que dezia Ob militiæ resplendorem ('Por o resprandor da cavalaria'). Os etíopes, um homem antre duas serpentes em ũa sepultura sobre negro e dezia a letra: Esta é a pena do que contra seu rei se alevanta. E os africanos de ocidente, um cão branco sobre morado. E os de Líbia, em oriente, ũa serpente de ouro em verde. E embaixo da águia, um mundo de ouro sobre verde, que Alexandre trazia. E os godos, três sapos sobre negro. E depois Castela trazia um castelo de ouro com portas azuis sobre colorado. Barcelona com Catelônia, cinco bastões de sangue sobre ouro. Aragão, cinco cabeças negras de mouros em branco. Lião, um lião branco. Galiza, ũa torre branca com um espelho. (1)
[1] Cecilia; [2] Omitriçis memoria

Como eu disse no comentário sobre o prólogo do Tesouro, os autores compilavam, reescreviam, ampliavam ou reduziam os materiais em que se fundavam, a depender do público para o qual elaboravam armoriais ou tratados. Todavia, isso comportava um defeito: frequentemente, eles se acomodavam à autoridade das fontes, replicando um mundo imaginário ou pretérito. Por exemplo, no tempo de Gracia Dei, o número das palas de Aragão e Barcelona efetivamente variavam, mas no século XVII já se tinha fixado, tanto que Albergaria copia o Blasón à fl. 13 do seu caderno, mas à fl. 33, citando o cronista Jerónimo Zurita, pinta quatro palas.

Do mesmo modo, no Livro do Armeiro-Mor João do Cró formou um capítulo em grande medida fictício e anacrônico por ter tirado as armas dos príncipes cristãos e mouros do Armorial Wijnbergen, do fim do século XIII. Essa ficção e anacronismo avultam ainda mais aqui: dos 39 brasões, somente as armas de Granada, Castela e Leão (n.os 20, 33 e 36) são reais e estão corretas, mas não se entende por que Coelho dá outras ligeiramente divergentes (e errôneas) a esses dois reinos nos números 19 e 27. Talvez a necessidade de preencher os fólios com múltiplos de três.

Mais precisamente, as armas dos Estados da Igreja, Frígia, Cilícia, Cítia, Trácia, Itália, Pérsia, Babilônia, Ásia, Cartago, Grécia, Roma (n.º 15), Etiópia, África Ocidental e Oriental são imaginárias. E mesmo que não fossem propriamente reinos, certos lugares tiveram esses nomes em diferentes momentos da história ou ainda os têm, mas a Amônia e a Corália sequer existiram. Seja como for, Albergaria reproduz fielmente os ordenamentos de Gracia Dei. Em contrapartida, Coelho modifica algum pormenor aqui e ali.

Igualmente imaginárias são as armas da Andaluzia: as Colunas de Hércules eram, na verdade, a divisa do imperador Carlos V. Por outro lado, as armas de Valência, Maiorca, Córdova, Algarve, Biscaia, Barcelona, Toledo, Galiza e Aragão (n.º 35) estão numa categoria intermediária, porque não compunham as armas reais (3), mas eram amplamente divulgadas pela literatura heráldica. Por conseguinte, não cabe imputar acerto ou erro a Coelho. O próprio Albergaria fez vários apontamentos sobre as armas da Galiza no seu caderno: à fl. 13, dá a Torre de Hércules, que Gracia Dei brasona de prata em campo de vermelho; à fl. 26v, desenha e aponta que "as armas do reino de Galiza e de que hoje usa são um cálix com ũa hóstia em cima", o qual ladeiam oito cruzetas; à fl. 33v, pinta e anota de um lado "campo vermelho (outros, azul), custódia d'ouro, hóstia de prata" e do outro "campo azul, custódia d'ouro; cális". Pessoalmente, suspeito que Coelho teve conhecimento indireto do Armorial universel (1654, n.º 170), de Charles Segoing. Isso explicaria certas semelhanças e a tremenda divergência de alguns desses brasões no Tesouro (4).

Enfim, sobre o n.º 38, Albergaria (ibidem, fl. 59) diz que são as "armas antiquíssimas da província de Portugal" e brasona-as assim: "ũa cidade branca em campo azul sobre o mar de ondas verdes douradas". É claro que, ademais, romanceia:

Sobre o Douro foi povoado o castelo de Gaia e por aportarem aí mercadores e pescadores e concorrerem dentro do rio e estenderem suas redes doutra banda, se povoou outro lugar, que se chamou Porto, que agora é cidade mui principal, donde, ajuntando-se estes dous nomes, se chamou toda a terra Portugal. E a respeito desta cidade que lhe deu princípio, usou desta por insígnia.

Que Portus Cale, uma povoação junto à foz do Douro, atestada desde a conquista romana, deu nome a Portugal, mediante a forma Portucale, é bem sabido (5). O resto, no entanto, é fábula heráldica.

Notas:
(1) Além dos erros marcados pelos colchetes, as seguintes palavras são barbarismos: árvol (por árvore), color (por cor), colorado (por vermelho) e morado (por roxo)
(2) Note-se que o tradutor se equivoca ao final e deixa a tradução incompleta.
(3) O uso constante das armas reais impunha a necessidade de fixar o seu ordenamento. Com efeito, foi a evolução política da Espanha que fixou alguns brasões inventados na literatura heráldica, como o das Ilhas Baleares e o da Galiza.
(4) As armas de Córdova não se acham no caderno de Albergaria e o brocal de Navarra no Armorial universel realmente semelha um cordão com nós. Por outro lado, só no Tesouro se duplicam as cabeças das armas imaginárias do Algarve. Coelho seguramente nunca folheou aquele livro, mas é plausível que alguém lhe tenha descrito — por vezes de modo ambíguo — as armas dos reinos da Espanha.
(5) Que de Cale venha Gaia é discutível, porque supõe uma evolução incomum na nossa língua: *Cala > *Gala > *Gaa > *Gaia. Via de regra, duas vogais iguais sofreram crase, como em , de pala.

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