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30/09/23

BANDEIRAS DE CORES HERÁLDICAS: ALEMANHA

Mesmo onde havia uma bandeira antiga, o nacionalismo mudou percepções, sensibilidades e lealdades.

Na primeira e segunda décadas do século XIX, quando os exércitos franceses invadiram toda a Europa continental, não lutavam por Napoleão Bonaparte, mas sim pela nação, exibindo as cores desta em topes e bandeiras. Isso levou os resistentes a emularem-nos, daí que em 1808 os espanhóis se tenham apropriado do pavilhão de guerra como bandeira nacional.

Bandeira da Alemanha.
Bandeira da Alemanha.

Embora o Congresso de Viena (1814-15) tenha procurado restaurar a ordem política antecedente, as ideias evoluíram definitivamente rumo ao nacionalismo e ao liberalismo. Assim, após o povo de Paris forçar a abdicação do rei Luís Filipe e a proclamação da Segunda República Francesa em fevereiro de 1848, as reivindicações por estados nacionais e liberais difulminaram-se imediatamente pelo continente: a chamada Primavera dos Povos. Em Viena, causou a demissão do todo-poderoso Klemens von Metternich, chanceler de estado, e a abdicação do imperador Fernando I em favor do príncipe e arquiduque Francisco José, seu sobrinho.

Pavilhões adotados pelo Estado Alemão em 1848.
Pavilhões adotados pelo Estado Alemão em 1848 (aquarela anexa à lei de 13 de novembro; imagem disponível na Wikimedia Commons).

Na Alemanha, onde o Sacro Império dera lugar à Confederação Germânica sob a presidência do imperador austríaco, a Dieta Federal declarou em março de 1848 o preto, o vermelho e o ouro (1) as cores federais, ato que o revolucionário Parlamento de Frankfurt confirmou em julho por lei, sancionada pelo regente imperial em novembro. Essa lei adotou por bandeira nacional e pavilhão mercante a tricolor de faixas horizontais — preta, vermelha e dourada — e por bandeira e pavilhão de guerra a mesma com as armas imperiais no cantão, isto é, de ouro com uma águia de duas cabeças de negro, bicada e membrada de vermelho. Em particular, essa conjunção de ambos os símbolos demonstra e comprova que a bandeira alemã é um espécime de cores heráldicas.

Na verdade, o preto-vermelho-ouro difundiu-se a partir do Festival de Wartburg em 1817. Por ocasião do tricentenário da Reforma protestante (Martinho Lutero traduziu a Bíblia para o alemão nesse castelo da Turíngia), estudantes de várias universidades alemãs encontraram-se aí para defender um estado nacional e liberal, mas a reação da Confederação foi reprimir esses movimentos. Desafiando a repressão, em 1832 celebrou-se outro festival, muito maior, em Hambach, Palatinado, onde pela primeira vez se agitaram tricolores pretas, vermelhas e douradas.

Finalmente, a Revolução de 1848 acabou fracassando em julho do ano seguinte. A Confederação Germânica voltou mais reacionária que antes: a Dieta Federal revogou a legislação do Parlamento de Frankfurt em 1851, por conseguinte também o uso do preto-vermelho-ouro. Todavia, a ascensão de Guilherme I em 1861 e a nomeação de Otto von Bismarck a ministro-presidente desequilibrou a relação da Prússia com a Áustria, da qual dependia a Confederação, pois ficava cada vez mais claro que aquela potência tomava o caminho da "Pequena Alemanha", isto é, unificar a nação excluindo essa segunda potência. Efetivamente, em 1865 estourou uma guerra fratricida pelo domínio dos ducados de Schleswig e Holstein, que forças austríacas e prussianas tinham ocupado conjuntamente ante as pretensões de Cristiano IX da Dinamarca. Essa guerra acabou com a derrota da Áustria, a dissolução da Confederação Germânica e a formação da Confederação Alemã do Norte sob a presidência do rei prussiano.

Pavilhões e insígnias da Alemanha, segundo o Flags of maritime nations (1914).
Pavilhões e insígnias da Alemanha, segundo o Flags of maritime nations (1914). 

A Confederação Alemã do Norte preparou a unificação nacional. A sua constituição, adotada em julho de 1867, estabeleceu um pavilhão de três faixas horizontais, preta, branca e vermelha, tanto para a marinha de guerra como para a mercante. Eram igualmente cores heráldicas: o preto e o branco, da Prússia, cujas armas eram de prata com uma águia de negro, bicada e membrada de ouro, cada asa carregada de um Kleestängel do mesmo, cingida da coroa e tendo o cetro e o orbe reais, tudo de sua cor; o vermelho e o branco, das cidades livres e hanseáticas de Bremen, Hamburgo e Lübeck. No entanto, para distinguir o pavilhão de guerra, em outubro adotou-se uma cruz preta com orla branca em campo do mesmo, carregada de um escudo redondo das armas prussianas com perfil preto e no cantão a tricolor preta, branca e vermelha com a Cruz de Ferro. Após a adesão dos estados meridionais (salvo a Áustria, Liechtenstein e Luxemburgo) em 1871, o Império Alemão assumiu esses pavilhões.

Esses acontecimentos permitiram que o preto-vermelho-ouro subsistisse representando o projeto da "Grande Alemanha", que abrangia a Áustria, afinal o preto e o amarelo eram as cores do Império Austríaco. No linguajar de hoje, dir-se-ia que se tornou quase uma bandeira étnica. Tombados os dois impérios ao fim da Primeira Guerra Mundial, as potências vencedoras vedaram a união da Áustria e como esta tomara o vermelho-branco-vermelho, a República de Weimar pôde recobrar as cores revolucionárias de 1848, mas para não ferir sensibilidades, o preto-branco-vermelho seguiu compondo os pavilhões de guerra e mercante: ambos tinham a tricolor preta, vermelha e dourada no ângulo superior junto à tralha, o de guerra também a Cruz de Ferro no centro. Isso, porém, não bastou; a ascensão de Adolf Hitler depôs o preto-vermelho-ouro e repôs a tricolor preta, branca e vermelha como bandeira nacional, tremulando ao lado da bandeira nazista entre 1933 e 1935. Desde então até 1945, apenas os vexilos com a suástica identificaram o estado alemão.

Bandeira estatal da Alemanha ou Bundesdienstflagge.
Bandeira estatal da Alemanha ou Bundesdienstflagge.

Por fim, a República Federal da Alemanha e a República Democrática Alemã, ao se constituírem em 1949, retomaram a tricolor preta, vermelha e dourada sem nenhuma diferença. Foi a Alemanha Oriental que, dez anos depois, passou a se distinguir pelo seu emblema estatal no centro da bandeira. Tanto ao leste como ao oeste, o preto-branco-vermelho representava a experiência da Alemanha unificada sob a hegemonia beligerante da Prússia, enquanto o preto-vermelho-ouro lembrava o ideal da Revolução de 1848: a unidade da Alemanha sob um estado democrático. Com efeito, desde 2021 os estados alemães podem punir o uso das bandeiras pretas, brancas e vermelhas que foram adotadas entre 1867 e 1935 nas circunstâncias em que tal uso ameace a ordem pública.

Pavilhão naval da Alemanha ou Dienstflagge der Seestreitkräfte der Bundeswehr.
Pavilhão naval da Alemanha ou Dienstflagge der Seestreitkräfte der Bundeswehr.

A legislação vigente sobre a forma e o uso das bandeiras alemãs data de 1996. Como na Áustria, há uma bandeira estatal (Bundesdienstflagge 'bandeira de serviço federal'), que é a mesma tricolor preta, vermelha e dourada com as armas federais, própria da administração pública federal. Outra norma de 1956 dispõe que o pavilhão da Marinha (Dienstflagge der Seestreitkräfte der Bundeswehr 'bandeira de serviço das Forças Navais da Defesa Federal) tem essa mesma forma, mas o lado do batente é bífido. Uma terceira, de 1964, deu-a, ainda, à Bundeswehr (Defesa Federal), mas em forma quadrada, com uma franja dourada.

Armas federais da Alemanha (imagem disponível no portal do Ministério Federal do Interior).

O caso da Alemanha ilustra o quão úteis e populares as bandeiras de faixas se tornaram na contemporaneidade. Com efeito, nas três ocasiões em que se adotou o preto-vermelho-ouro, tais cores prevaleceram porque não comportavam gravosas conotações para além do forte vínculo da identidade nacional alemã com o Sacro Império, que embora se chamasse Romano, ao seu fim em 1806 abrangia um território massivamente germanófono. Daí o apego à palavra Reich (2): com a exceção das confederações, que se denominavam Bünde (Bund no singular), todas as tentativas e experiências de estados-nação até 1945 chamaram-se Deutsches Reich, inclusive a República de Weimar. Ao mesmo tempo, não servia simplesmente o estandarte imperial — bandeira heráldica —, afinal não era mais a vassalagem que unia os súditos, mas a pertença à nação que unia os cidadãos.

Notas:
(1) Na prática, preto, vermelho e amarelo, mas em alemão não se diz Schwarz-Rot-Gelb ('preto-vermelho-amarelo'), a não ser jocosamente, e sim Schwarz-Rot-Gold ('preto-vermelho-ouro').
(2) Ainda que habitualmente traduzido como 'império' e a forma predicativa Reichs-, como 'imperial', historicamente Reich, do alto-alemão antigo rīhhi, quer dizer 'estado'. Até hoje a Áustria é Österreich (literalmente 'Estado do Leste') e a França é Frankreich (literalmente 'Estado Franco').

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