A navegação marítima durante a Idade Moderna foi fundamental para o desenvolvimento do conceito de bandeira nacional.
Uma bandeira é um signo que tem a vantagem de ser reconhecido ao longe, por vezes de muito longe. Disso se aproveita especialmente a navegação nos mares e nos grandes rios, o meio de transporte mais conveniente a longa distância até o desenvolvimento da aviação. Daí que a própria palavra pavilhão se tenha generalizado, vindo designar qualquer bandeira. A rigor, o pavilhão (ensign em inglês) é uma signa naval. Dependendo do país, há um pavilhão nacional único ou pavilhões diferentes para a marinha de guerra ou a mercante.
Bandeira da Espanha. |
Com efeito, enquanto o rei de Leão trouxe um leão de púrpura em campo de prata, o de Castela um castelo de ouro em campo de vermelho ou o de Aragão quatro palas de vermelho em campo de ouro, essas armas puderam distingui-los nos menores objetos, como um selo, e também numa bandeira, a ser divisada a distância. Contudo, cada união dinástica diminuiu as figuras e deu lugar a uma composição que servia mais a transmitir certa visão do poder e menos ao fim prático da identificação. Desde Carlos I, a bandeira real, como o brasão, comportou nos seus quartéis as armas de Castela, Leão, Aragão, Sicília, Granada, Áustria, Borgonha (antigo e moderno), Brabante, Flandres e Tirol, nem sempre ordenados da mesma forma.
Estandarte de Filipe VI, rei da Espanha (imagem disponível no Boletín Oficial del Estado). |
A maior prova de que o estandarte real (também dito pendão real) exprimia cada vez mais a soberania da Coroa é que, precisamente a partir de Filipe II, em vez do recurso à bandeira heráldica se começou a reproduzir o brasão sobre um pano carmesim (a cor real castelhana), porque assim se podiam mostrar as insígnias régias: a coroa, o colar da Ordem do Tosão de Ouro, a águia de São João. Consequentemente, o uso desse vexilo reduziu-se paulatinamente a cerimônias estatais, algumas das quais se celebram até hoje, como a Tomada de Granada.
Pavilhão real da Espanha (1700-85) em La connaissance des pavillons... (1737). |
Em compensação, a Casa de Borgonha legou à Coroa espanhola a cruz de Santo André, o padroeiro do ducado que lhe dava nome e da Ordem do Tosão de Ouro: uma aspa nodosa vermelha, que desde então distinguiu os exércitos, a armada e a frota mercante da Espanha, amiúde combinada com outros emblemas em campos de diferentes cores. Para os regimentos de infantaria, sucessores dos velhos terços, Filipe V ordenou que esse campo fosse branco, a cor preferida da nova casa reinante, daí que também a tenha escolhido para o novo pavilhão de guerra, que passou a ser um pano liso, carregado das armas reais.
Aí está. Branca com as armas reais era a bandeira de Portugal desde o reinado de Dom Manuel I (1495-1521) e o pavilhão francês de guerra desde 1661. Além disso, em 1731 os Bourbons espanhóis vieram herdar o ducado de Parma e em 1734 e seguinte reconquistaram os reinos de Nápoles e da Sicília, aonde levaram a preferência pelo pavilhão branco com as armas do monarca. Esse monarca era o infante Carlos, o quarto filho de Filipe V e o que sucedeu ao trono espanhol em 1759.
Bandeiras escolhidas por Carlos III em 1785 (conservado no Archivo Histórico Nacional, n.º 986; imagem disponível em La bandera, de Luis Grávalos). |
Foi precisamente Carlos III quem encarregou Antonio Valdés, secretário de estado da Marinha, de remediar "los inconvenientes y perjuicios que ha hecho ver la experiencia puede ocasionar la bandera nacional de que usa mi Armada Naval y demás embarcaciones españolas, equivocándose a largas distancias o con vientos calmosos con las de otras naciones" ("os inconvenientes e prejuízos que fez ver a experiência pode ocasionar a bandeira nacional de que usa a minha Armada Naval e demais embarcações espanholas, equivocando-se a longas distâncias ou com ventos calmosos com as de outras nações"), como diz o Real Decreto de 28 de maio de 1785. Para tanto, o secretário Valdés apresentou doze propostas de pavilhões ao rei, quem pelo referido ato fez saber a escolha dos seguintes:
[...] en adelante usen mis buques de guerra de bandera dividida a lo largo en tres listas, de las que la alta y la baja sean encarnadas y del ancho cada una de la cuarta parte del total, y la de en medio amarilla, colocándose en esta el escudo de mis reales armas, reducido a los dos cuarteles de Castilla y León, con la corona real encima [...]. Y de las demás embarcaciones usen sin escudo los mismos colores, debiendo ser la lista de en medio amarilla y del ancho de la tercera parte de la bandera, y cada una de las restantes partes dividida en dos listas iguales, encarnada y amarilla alternativamente. (1)
Por que o vermelho e o amarelo? Simplesmente porque já eram habituais, afinal iluminavam, como ainda iluminam, as citadas armas de Castela e de Aragão, dois dos títulos régios de maior precedência, por nomearem as coroas cuja união fundara a monarquia espanhola. Segue-se que consiste numa bandeira de cores heráldicas, uma modalidade destinada ao sucesso, tanto que nos anos seguintes o seu uso se estendeu às praças, fortalezas e defesas costeiras e em 1808 o próprio povo a tremulou na luta contra a ocupação francesa. Finalmente, em 1843 foi declarada "el verdadero símbolo de la monarquía española" (Real Decreto de 13 de outubro) e foi prescrita ao conjunto das forças armadas.
Armas da Espanha (imagem disponível no portal da Presidência do Governo espanhol). |
A bandeira da Espanha está descrita no artigo 4.º da Constituição de 1978 sem o brasão. Com o brasão, está regulada por lei de 1981. Este mesmo foi e está ordenado por outra lei, passada alguns dias antes daquela. Sem o escudo, é o pavilhão mercante desde que um Real Decreto estabeleceu isso em 1927. Ademais, o Reglamento de banderas y estandartes, guiones, insignias y distintivos dispõe vários pavilhões para o Exército, o Exército do Ar, o Ministério da Fazenda, os correios marítimos, os serviços portuários de saúde e as embarcações de recreio, nos quais o brasão é substituído por letras iniciais e outras figuras.
(1) "[...] em diante usem os meus navios de guerra de bandeira dividida no comprido em três listras, das quais a alta e a baixa sejam encarnadas e de largura, cada uma da quarta parte do total, e a do meio amarela, colocando-se nesta o escudo das minhas reais armas, reduzido aos dois quartéis de Castela e Leão, com a coroa real em cima [...]. E das demais embarcações usem sem escudo as mesmas cores, devendo ser a lista do meio amarela e de largura da terceira parte da bandeira, e cada uma das restantes partes, dividida em duas listras iguais, encarnada e amarela alternativamente." (tradução minha)
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