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18/11/21

A ARTE HERÁLDICA (III)

A maior parte das peças e figuras heráldicas são signos, mas é característico da armaria eclesiástica um uso maior de símbolos.

bispado do Ceará foi criado em 1854 pela bula Animarum salute, do papa Pio IX. A diocese foi desmembrada daquela de Olinda e abrangia a província do Ceará, mas em 1914 o papa Bento XV, por meio da bula Catholicæ Ecclesiæ, desmembrou-lhe o sul do estado para a criação da diocese do Crato. Em 1915, o mesmo pontífice, por meio da bula Catholicæ religionis bonum, elevou-a a arquidiocese de Fortaleza e desmembrou-lhe a região norte para a criação da diocese de Sobral. Atualmente são sufragâneas suas as dioceses de Crateús, Crato, Iguatu, Itapipoca, Limoeiro do Norte, Quixadá, Sobral e Tianguá. A sua sé está na Catedral de São José, em Fortaleza, e o seu arcebispo é Dom José Antônio Aparecido Tosi Marques.

Armas da arquidiocese de Fortaleza: de azul com uma faixeta abaixada de ouro, arqueada e dentelada para o baixo, encimada de dois panos de muralha de prata, cada um flanqueado de duas torres do mesmo, abertas de negro, cada conjunto lavrado do mesmo e firmado num flanco do escudo; brocante sobre a faixeta, uma torre de ouro, lavrada e aberta de negro, carregada de uma flor de lis de pé cortado de azul, batida por um mar agitado de prata e encimada de uma estrela de oito raios de ouro, radiante do mesmo para o baixo.

É uma lástima que não se ache nenhuma informação sobre o brasão dessa arquidiocese, porque, sem padecer de excesso, é intrigante, e isso o dota de excelência. Com efeito, o estilo deixa ver um trabalho ou do irmão Paulo Lachenmayer ou de Víctor Hugo Carneiro Lopes. Ainda que sempre seja temerário brasonar armas dessa qualidade apenas pelas reproduções, como a arquidiocese ainda usa, ao que parece, o desenho original — muito bem executado e bonito (mas pelas publicações mais recentes nas redes sociais parece que resolveu estragá-lo com uma péssima digitalização) — vou-me aventurar: de azul com uma faixeta abaixada de ouro, arqueada e dentelada para o baixo, encimada de dois panos de muralha de prata, cada um flanqueado de duas torres do mesmo, abertas de negro, cada conjunto lavrado do mesmo e firmado num flanco do escudo; brocante sobre a faixeta, uma torre de ouro, lavrada e aberta de negro, carregada de uma flor de lis de pé cortado de azul, batida por um mar agitado de prata e encimada de uma estrela de oito raios de ouro, radiante do mesmo para o baixo.

Desenho do brasão da arquidiocese de Fortaleza usado pela instituição (imagem disponível no seu perfil no Facebook).

A leitura simbológica é bem mais fácil. A faixeta dentelada refere a São José, padroeiro do Ceará, que, segundo o Evangelho (Mateus, 13, 55), era carpinteiro. É o elemento mais dúbio, tanto que talvez também se pudesse brasonar como "uma lâmina de serra de ouro, arqueada para o baixo e firmada nos flancos". A torre sobre o mar constitui as armas municipais de Fortaleza, como vimos na postagem anterior. A flor de lis e a estrela são símbolos marianos: a fortificação que deu nome à vila, depois cidade, foi construída pelos holandeses em 1649, que a chamaram Schoonenborch. Em 1654, quando os holandeses capitularam, os portugueses renomearam-na Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. No entanto, a igreja matriz, hoje catedral metropolitana, sempre esteve dedicada sob o título de São José. Com efeito, o patronato da Virgem Santíssima foi recobrado em data recente: 2003, quando a arquidiocese celebrou a primeira Caminhada com Maria e o município declarou o dia 15 de agosto feriado religioso.

A heráldica eclesiástica fascina-me porque nela é fácil criar coisas medíocres e é difícil criar coisas notáveis. É fácil porque basta pôr a figura devocional da preferência ou conveniência do armígero. Como eu já disse algumas vezes, nesta subárea da heráldica a carga simbólica pesa mais que nas outras. E é difícil porque precisamente isto se pode converter numa limitação. Por exemplo, como se simboliza São José? Ou por açucenas, assinalando a presença do Menino Jesus, que a imagem desse santo traz no braço, ou por algum instrumento de carpintaria, como um esquadro ou uma serra, em virtude do seu ofício e dos seus patronatos. Esta é a parte fácil; daí a operar esses símbolos com as ferramentas que a heráldica oferece sem cair no clichê demanda não só o domínio dessas ferramentas, mas também argúcia.

Assim, para a arquidiocese de Fortaleza, um heraldista pouco versado poderia ter partido o campo (quem sabe um terciado em mantel para variar...) e colocado um ramo de açucenas aqui, um monograma mariano ali e, para completar, sol e mar, afinal pelo que a capital cearense é mais conhecida se não pelas suas cálidas praias? O nosso autor, em contrapartida, ateve-se às excelentes armas municipais e, sem dividir o campo, acrescentou elementos devocionais com tanta destreza que todos enxergamos uma serra alusiva ao padroeiro, mas sem saber precisar o que vem ser em termos heráldicos.

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