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16/10/23

BANDEIRAS CRUZADAS: ESCÓCIA

Formas e cores da cruz serviram não só para contrapor os cristãos aos seus antípodas, mas também para opor uns cristãos aos outros.

Na confrontação com o Islã, qualquer cruz distinguia bem os cristãos. Por exemplo, Rogério de Hoveden relata na sua crônica (1202) que em 1188, antes de empreender a Terceira Cruzada, "rex [...] Franciæ et gens sua susceperunt cruces rubeas; et rex Angliæ cum gente sua suscepit cruces albas; et Philippus comes Flandriæ cum gente sua suscepit cruces virides" ("o rei da França e a sua gente tomaram cruzes vermelhas; o rei da Inglaterra com a sua gente tomou cruzes brancas; Filipe, conde de Flandres, com a sua gente tomou cruzes verdes"). Nenhuma dessas identificações se conservou depois.

Bandeira da Escócia.
Bandeira da Escócia.

Todavia, quando cristãos enfrentaram outros cristãos mostrando a cruz sobre o peito ou na ponta da lança, as suas formas e cores passaram a ser relevantes. Assim, sendo a Escócia e a França velhas aliadas contra a Inglaterra, em 1384 uma frota francesa desembarcou naquele país e no ano seguinte Henrique II conduziu um exército à fronteira. Em julho, o parlamento escocês determinou "que tout homme, françois et escot, ait un signe devant et derrère, c'est à savoir, une croiz blanche Saint Andrieu, et se son jaque soit blanc ou sa cotte blanche, il portera ladite croiz blanche en une pièce de drap noir, ronde ou quarrée" ("que todo homem, francês ou escocês, tenha um sinal diante e detrás, a saber, uma cruz branca de Santo André, e se o seu gibão for branco ou a sua cota for branca, trará a dita cruz branca numa peça de pano negro, redonda ou quadrada") e o rei inglês, "que chescun, de quel estat, condition ou nation qu'il soit, issint qu'il soit de nostre partie, porte un signe des armes de Seint George large devant et autre aderer" ("que cada um, de qualquer estado, condição ou nação que seja, sendo ele de nossa parte, traga um sinal das armas de São Jorge largo diante e outro detrás"). Trocando em miúdos, cada um tomou a sua cruz para se opor ao outro.

Conta-se que a devoção escocesa a Santo André remonta ao rei picto Ungus (732-761). Ele recebeu o monge Régulo de Constantinopla, de onde trouxera relíquias do Protocleto. No lugar do desembarque, então chamado Cenn Rígmonaid/Kinrymont, fundou um mosteiro, cuja igreja depois serviu de sé ao bispo dos escotos, arcebispo desde 1472, e deu o seu nome à cidade: St Andrews. Após a Reforma, embora a Igreja da Escócia não comemore os santos, seguiu-se celebrando a Festa de Santo André, que se tornou o dia nacional da Escócia.

Armas reais da Escócia em The new actis and constitutionis of Parliament (1542; imagem disponível na Galeria Digital da National Library of Scotland).
Armas reais da Escócia em The new actis and constitutionis of Parliament (1542; imagem disponível na Galeria Digital da National Library of Scotland).

A atestação mais antiga da aspa branca em campo azul está no Armorial de David Lindsay (1542), rei de armas Lord Lyon, em que o leão do timbre e os unicórnios que suportam as armas reais também sustentam bandeiras de Santo André. Não obstante, consta que se comprou "ane blew steik of sey to the banar for the schip with Sanct Androis cors in the myddis" ("uma porção azul de seda para a bandeira do navio com a cruz de Santo André no meio"), isto é, para o Margaret, lançado em 1505, o que não só prova a cor, mas também o seu uso como pavilhão de guerra já então.

"Schotse rode vlag" ("bandeira vermelha escocesa) no Nieuwe Hollandse scheepsbouw (1695), de Carel Allard.
"Schotse rode vlag" ("bandeira vermelha escocesa") no Nieuwe Hollandse scheepsbouw (1695), de Carel Allard.

Após a invenção e adoção da Bandeira da União (Union Flag), a bandeira de Santo André não desapareceu, pois de 1606 a 1634 se arvoravam ambas em todos os navios, aquela no topo do mastro grande e esta no traquete. Após a restrição da Union Flag aos navios do rei, a de Santo André continuou a distinguir a frota mercante escocesa, também no cantão de um pavilhão vermelho (Red Ensign), à semelhança do que se praticava na Inglaterra.

Diferentemente ocorreu aquando da constituição do Reino Unido em 1707, já que desde então a Union Flag passou a figurar nos cantões de todos os pavilhões. Isso, de fato, reduziu o uso da bandeira escocesa ao dia de Santo André, a outras manifestações nacionalistas e a eventos esportivos. Mas em 1998 o Parlamento Britânico devolveu certas matérias à Escócia, dotando-a de parlamento e governo autônomos. Isso trouxe de volta à administração pública The Saltire ('O Sautor'), como os escoceses costumam chamar a sua bandeira, tanto que em 2003 o parlamento estabeleceu a tonalidade do azul e a cada ano o governo emite orientações sobre o hasteamento de bandeiras nos seus edifícios.

Além disso, como a Inglaterra sempre foi o país hegemônico do Reino Unido, o nacionalismo inglês, quando se distingue do britânico, tem um caráter mais festivo e — nas suas manifestações à extrema direita — racista e xenófobo, o que chegou a causar certo desapego da bandeira de São Jorge pouco tempo atrás. Em contrapartida, o nacionalismo escocês é muito mais reivindicativo (o Scottish National Party, defensor da independência, governa a Escócia desde 2007), o que causa, precisamente, grande apego ao Saltire.

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