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05/01/21

INTERESSES

A heráldica é um domínio tão vasto que há especializações: gentilícia, estatal, eclesiástica, corporativa...


"Sob o nosso sinal e selo de nossa chancelaria": os brasões pontifício e episcopais são um exemplo ilustrativo da heráldica viva (decreto emitido pela cúria metropolitana de Natal sob as armas de Dom Jaime Vieira da Rocha: De vermelho com uma cruz de prata, envolvida por uma estola de ouro com as pontas carregadas de duas cruzes de vermelho e passadas em aspa, cantonada de quatro vieiras de ouro, e um livro aberto de prata, carregado de um Α e um Ω de negro, brocante sobre a cruz; brasonamento meu).
"Sob o nosso sinal e selo de nossa chancelaria": os brasões pontifício e episcopais são um exemplo ilustrativo da heráldica viva (decreto emitido pela cúria metropolitana de Natal sob as armas de Dom Jaime Vieira da Rocha: de vermelho com uma cruz de prata, envolta numa estola de ouro, as pontas carregadas de duas cruzes potenteias de vermelho e passadas em aspa, e cantonada de quatro vieiras de ouro, e um livro aberto de prata, carregado de um Α e um Ω de negro, brocante sobre a cruz; insígnias de arcebispo metropolitano; divisa: Scio cui credidi; brasonamento meu).

Se a postagem anterior deu a entender que a heráldica é algo ultrapassado, falarei aqui dos meus interesses para mostrar que não. Começo lembrando que, onde o direito não dispõe o contrário, o uso de um brasão pessoal está ao alcance de todos, mas hoje isso é coisa de uma pequena comunidade. Apesar de pequena, não é nada homogênea.

Com efeito, na comunidade heráldica há muitos monarquistas, atraídos pela ideia de que há uma imbricação da monarquia com a heráldica. Não sou um deles. Defendo, sim, o parlamentarismo: acho que sob o estado democrático de direito que as sociedades ocidentais desenvolveram no nosso tempo, tanto faz se o chefe do estado é um dinasta ou um mandatário, contanto que se cinja ao dever fundamental de personificar o estado. Por isso mesmo, em se tratando dos pretendentes à destituída coroa brasileira, comprometidos partidariamente como estão, prefiro um presidente da república. Portanto, não tenho muito interesse nos armoriais de casas principescas, reinantes ou derrocadas, a não ser por motivo estritamente acadêmico, por exemplo: a origem do brasão de certa comunidade a partir de certas armas senhoriais.

Depois, há alguns descendentes de gente que teve certo grau de nobreza, outros que os bajulam ou invejam e uns terceiros que, um tanto distantes da realidade, se envaidecem com toda espécie de insígnias e títulos fraudulentos. Na verdade, os nobres de sangue, que possuem títulos de grandeza ou cujos antepassados possuíram, são ocupados demais (herdar um rico patrimônio é fácil, geri-lo nem tanto...) para se meter em disquisições heráldicas. Aqueles que o fazem é porque, como no antigo regime, precisam da ostentação para reivindicar a integração ao círculo. Portanto, tampouco tenho interesse em nobiliarquia e genealogia: quem tem direito ao quê, por ser filho ou sobrinho, varão ou fêmea, legítimo ou bastardo etc. Mas, novamente, abro exceções por motivos acadêmicos.

Enfim, há pessoas que gostam de brasões e querem saber mais, outras meramente curiosas que buscam apenas quem lhes diga qual é o brasão "da sua família" e, de vez em quando, umas espertinhas que fingem interesse só para angariar o necessário à composição de um brasão. Definitivamente, estou entre as primeiras, mas não acaba aqui.

Pode-se, ainda, dividir a comunidade heráldica em dois grupos: os que sabem desenhar e os que não sabem. Em geral, aqueles são os heraldistas: a denominação que se dá na contemporaneidade a quem compõe e reproduz brasões, já que heraldos ou arautos (1) propriamente ditos (e nomeados), sejam reis de armas, passavantes ou de outro título, restam bem poucos (2). Aqui e ali, acha-se um remanente da velha guarda: artistas que traçavam e pintavam brasões à mão. Mas, por mais belo que sejam os seus trabalhos, hoje em dia quem usa de um brasão, seja um particular seja uma coletividade, precisa de um arquivo em formato vetorial para as mais variadas aplicações.

Por um lado, o fato de a maioria dos heraldistas serem prestadores de serviços torna-os arredios à partilha do conhecimento para além de finalidades comerciais. Por outro, o fato de a heráldica contemporânea ser digital dispõe uma série de recursos a quem não sabe desenhar coisas difíceis, como bancos de imagens e aplicativos. Com os devidos sensos (técnico, estético, político...), é possível fazer de tudo um pouco.

Além da diversidade dos membros, a própria heráldica é diversa quanto aos armígeros. Como tenho dito, o uso de brasões por pessoas físicas no conjunto da sociedade é coisa do passado. Não obstante, o uso por pessoas jurídicas ou coletivos permanece muito atual. Dou um exemplo: na minha instituição de ensino (IFRN, Campus Currais Novos), os alunos dos cursos técnicos desenvolvem laços afetivos muito fortes, porque esses cursos são integrados ao Ensino Médio: duram quatro anos, abrangendo a transição da adolescência à idade adulta. No ano passado, um perfil mantido por eles no Instagram promoveu uma competição irreverente entre as turmas. Cada uma foi identificada pelo seu emblema:

Emblemas das turmas dos cursos técnicos do IFRN (Currais Novos).
Emblemas das turmas dos cursos técnicos do IFRN (Currais Novos).

Observe-se que, à exceção de dois, todos têm a aparência de um brasão ou selo heráldico. É indubitável que nas referências culturais dos criadores a heráldica está presente e é influente. Outra coisa é que demonstrem nulo conhecimento da matéria, mas considerando que fora do mercado de livros raros não há sequer um manual que forneça uma introdução razoável em português, eu não seria tão ávido em julgar e condenar.

Os estados soberanos, os seus territórios dependentes e divisões administrativas em diferentes níveis; as divisões governativas da Igreja Católica, os seus institutos e clero; corporações como as forças armadas, polícias, universidades e escolas: boa ou ruim (e às vezes inaceitável), a heráldica está viva, e é a heráldica viva que me interessa, especialmente a heráldica eclesiástica.

Notas:
(1) Em português, há ambas as formas: heraldo e arauto. Ainda que a palavra tenha origem germânica (do frâncico *heriwald, composto de *heri 'exército' e *wald 'dirigente'; daí também, pela via anglo-saxônica, o nome Haroldo), seguiu as tendências gerais da língua: em francês, o l antes de consoante normalmente se vocalizou: lat. alter, palma > fr. autre, paume (em português ocorreu o mesmo fenômeno, mas não de maneira tão regular: outro, mas palma; a vocalização generalizada no português brasileiro é mais recente), hoje pronunciados /otʁ/ e /pom/, mas antes /'autɾə/ e /'paumə/. Assim, *heriwald deu héraut, hoje pronunciado /eʁo/, mas antes /he'ɾaut/. Não obstante, no francês antigo a vocalização ainda concorria com a conservação do l, então também havia a variante héralt, que foi latinizada como heraldus. A forma arauto veio diretamente de héraut, enquanto heraldo (assim como o nome Heraldo e o derivado heráldico) veio, a meu parecer, indiretamente pelo latim heraldus.
(2) Com efeito, a existência de oficiais de armas só tem sentido onde o direito restringe o uso de brasões.

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